terça-feira, 16 de julho de 2013

AMIGA INESTIMÁVEL

Amiga inestimável é difícil definir. A que faz bem só de estarmos perto. A fala doce, mesmo para repreender. Quando brava, assovia e quem a conhece já sabe que alguma coisa está errada. Quando conta histórias, a gente para pra ouvir e quando canta todos a sua volta choram. A amiga inestimável é a tradução do amor. O olhar mais doce que alguém poderia ter, mesmo que tenha acabado de acordar. O colo mais gostoso que experimentei.
Amiga inestimável, o significado do nome Antonia. Será que teria um significado melhor? Quem conhece dona Antonia Perim jura que não. Busquei pensar nessa mulher, me afastando da condição de neta, inspirada na imparcialidade jornalística - mas a tarefa é complicada - sua vida me inspira além do amor que sinto.
Pariu nove filhos, dos quais oito cresceram fortes, lhe dando netos e depois bisnetos. Mais um filho de criação. E mais muitos dos quais cuidou. A tia mais estimada, comadre, madrinha, prima. Hoje referência familiar de uma centena de vidas. Dizem que toda unanimidade é burra, mas também dizem que em toda regra há uma exceção. Em assim sendo, eis a exceção à regra, a unanimidade inteligente.
Com ela podemos entender o que é a fé. O que é o amor. O que é desapego. O velho Octavio dizia que ela tinha mania de dar tudo pro outros. E dá mesmo, frutas, mudas, presentes. Quando viajei com eles para Conceição da Barra, eu tinha 13 anos. O vovô toda noite me dava um dinheirinho pra sair, um lanche, um sorvete, mais que suficiente naquela idade. Mas ela pegava sempre um pouquinho a mais e me entregava escondido dele.
Eu adorava passar as férias na casa deles. Muita gente duvida que tenho memória da primeira infância, mas tenho sim. Certa vez fui com meus pais num final de semana. Pedi pra ficar mais, alguém iria para Vitória no meio da semana. E foi. Tinha outra carona na outra semana, e foi. E foram-se três meses (esses detalhes de tempo me contaram), e minha mãe teve que ir me buscar pessoalmente. Eu tinha três anos.
Tonha sempre conta do dia em que nasci. Ela me ouviu chorando e correu até o berço, meus olhinhos estavam pretos, ela assustada chegou mais perto e viu que eram formiguinhas, conta dando risada. Não devem ter me limpado direito depois que eu mamei, sei lá. Aos seis meses de idade, quando tive coqueluche, ela me pegava no colo às 5h da manhã e subia até o Petrópolis para eu respirar o arzinho da manhã, e me curou assim. Foi ela também que me ensinou a pescar piaba na cachoeira.
Mas ela não é sempre boazinha assim não. Já viu alguém levar um tombo na frente dela? Explode no ar uma risada gostosa, que parece não ter mais fim. Ah! Tonha malandrinha. Gosta muito dos bailes da terceira idade, e dos bingos, seja nas novenas, no clube ou na praça da igreja. Mas bingo lá é diferente. Cada um leva uma prenda e quem ganha depois tem que devolver o prato que foi com pudim. Quantos pudins.
Dizem que avó é mãe com açúcar. Ela tem açúcar, mel, garapa e cavaco. Aliás, na cozinha é outro fenômeno. Quem não provou a polenta da dona Antonia não comeu uma polenta italiana de verdade. Bolinho de arroz com abobrinha, bolinho vira-sozinho (bolinho de chuva). E mesmo não cozinhando mais, quando eu chego tem polenta com taioba. Uma vez ela fez uma massa caseira incrível. Pedi a receita e ela disse que é simples (mas nem citou os ingredientes, era obrigação minha saber), só fazer a massa e bater bem... Simples assim.

Simplicidade, esse deve ser o segredo da magia que dona Antonia exerce sobre todos que se aproximam. Quem chega aos noventa e dois anos com a serenidade e jovialidade de alma que ela tem, vira anjo e abençoa nossas vidas. Tonha querida, meu maior exemplo de mulher, de luz, de amor, de vida. Escrever suas histórias poderia render um livro. Mas falar dela é cair na redundância do amor.



*Foto: Lívia Batistine Friço

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