sexta-feira, 20 de setembro de 2013

MOBILIÁRIOS

Mobiliário definitivo de memória. Memória transeunte na cidade, memória gravada na carne. Ectoplasma.

Mobiliário, aquilo que se relaciona a bens móveis. Um bem, um móvel. Motes para o estudo cênico do Coletivo Cartão de Memória, núcleo formado por artistas das mais diversas áreas interessados em investigar a memória. De que forma? Ainda estamos descobrindo. Falo aqui da minha experiência pessoal, talvez comum a outros membros do Coletivo. Talvez díspares.

Em 2012 ingressei na SP Escola de Teatro cursando Direção. Um grande desafio, diante de situações de minha vida privada, meus 37 anos de idade, o horário das aulas e a dedicação necessária para um bom aproveitamento. Depois de mais de 20 anos de vida teatral, na qual busquei construir meu embasamento teórico através da experimentação e de uma leitura voraz, mas não conduzida. Não tinha a definição de experimento cênico que tenho hoje. Possuía uma prática, nem sempre eficiente, porém contundente. A escola significava a possibilidade de suprir essa deficiência.

Módulo Azul, que na SPET quer dizer Teatro performativo. Alguma coisa que nem os formadores possuíam claramente uma definição consensual, talvez por ser um fazer cênico até certo ponto recente, uma história que ainda está sendo escrita.



Fui descobrindo a partir da pesquisa teórica que já degustara esse novo fazer teatral. Nunca fui afeita a rótulos. Estes são limitadores. Os conceitos devem ser expandidos, modulados a cada experiência. Assim sendo, busquei esquecer o conceito de performativo, passando à investigação, sem juízo de valor e tentando esvaziar-me de ideias pré-conceituadas.

A partir de uma proposta artístico/estética dos aprendizes das áreas de cenografia e figurino, sonoplastia, iluminação e técnicas de palco, passamos a investigar o espaço montado nasala 34 do edifício da Oficina Cultural Amácio Mazzaropi, onde funciona parte dos trabalhos da SP. Sal, linhas, cores, sons metálicos, inspirados no trabalho de Lúcia Koch e Peter Greenaway. Junte-se a isso atores disponíveis e destemidos, uma dramaturgia ativa, e a encenação foi tomando uma corpo, definida sensorialmente e não conceitualmente – processo seguido até o momento pelo Coletivo.

O mesmo sal que queima a pele, tempera a comida, conserva a memória. Dor, cheiros, marcas e incômodos transformados na pergunta: “como performar a memória?” Experimentamos, não respondemos. E a resposta, sinceramente, é o que menos importou. A tentativa de definir que memória é essa que desejamos performar leva ao questionamento de o que é memória? Nunca foi base do trabalho tentar responder esta questão, mas vivenciá-la da maneira mais instintiva possível.

A memória afetiva e pessoal, através de objetos disparadores, trouxe histórias da vida pessoal de cada um ali presente, misturadas a mitologias ligadas a memória. As moiras cegas, as estátuas de sal, a mulher de Lot, o envolvimento do público. Fomos acusados de melodramáticos, catárticos, psicodramáticos. Todavia, a inquietação dessa busca não foi ultrapassada.

Longe de casa e da família, quem era eu em São Paulo, buscando mais uma vez responder, de onde vim, para onde vou? Inquietação mais banal e coloquial da humanidade, beirando um clichê, mas que me atormentava deveras o pensamento e a alma. E quem disse que não podemos ou devemos transferir para a arte nossos tormentos pessoais? Apesar da encenação dividida, havia uma simbiose com meu parceiro de direção (o diretor Cristiano Dantas, que não participa do Cartão de Memória) que facilitava e enriquecia o processo.Não havia um texto a investigar, buscar um conceito para então dar nossa versão. Ao contrário, partimos da investigação para a construção da dramaturgia e posteriormente da encenação, subvertendo a ordem conceito – forma. Particularmente, coloquei-me no lugar de costureira, que monta uma colcha de retalhos mesclando tecidos doados e bordados criados com pontos e linhas de cores diversos. Utilizando a história dos outros para falar de mim, das minhas inquietações.




Assim a encenação foi construída, através de sequências de workshops e procedimentos. Ao final do semestre e a mercê das críticas, consegui falar do que queria, do modo que queria. Afinal, como artista, estou falando de mim, do meu olhar sobre as coisas. Sem certo ou errado, é o meu olhar.

Porém, essa investigação da memória parecia querer levar-nos mais adiante. Finda a escola, parte do grupo sentiu o desejo e a necessidade de continuar a pesquisa, ainda pessoal, só que nesse momento re-significada na cidade de São Paulo.



Uma das questões que mais tocam o trabalho de encenação é a construção da identidade. “A psicanálise enfatiza eu tudo quanto de fato impressionou nossa mente jamais é esquecido, mesmo que permaneça muito tempo na obscuridade do inconsciente. Essa constatação evidencia a importância da memória para vida”, afirma Maria Helena Martins, em seu livro O Que é Leitura (Coleção Primeiros Passos, Braziliense), acrescentando ainda que poderíamos perceber o esquecimento como mecanismo de defesa.

Para o estudo cênico Mobiliários I, seguimos o mesmo processo da sala 34. Workshops que geraram procedimentos cênicos, dentro de uma loja de móveis antigos, com objetos cheios de história. Ali era possível mesclar as histórias pessoais com as histórias observadas nos objetos. Eram marcas a serem memoradas. Bruno Matos, em seu artigo Rituais de Desacelaração, afirma que é preciso reconhecer que “não é possível dar conta de todas as coisas, e que precisamos fazer escolhas se quisermos ter experiências mais profundas e intensas – experiências mais fáceis de serem lembradas”.

Buscamos construir narrativas baseadas na memória individual inter-relacionada com a memória coletiva, a partir da relação com o espaço e com o público.


sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Cartão de Memória abre temporada de Mobiliários no espaço cultural Walden

Depois de concluir a primeira fase de pesquisa e de uma série de experimentações, o Coletivo Cartão de Memória abre no próximo dia 14 de setembro a primeira temporada do espetáculo Mobiliários. A peça, composta de quatro cenas, foi desenvolvida a partir de estudos sobre objetos presentes em uma loja de móveis da avenida São João, em frente ao famigerado Minhocão. Ao falar sobre os objetos, o espetáculo reflete também sobre as mazelas da metrópole e a ação do tempo sobre espaços urbanos, pessoas e objetos. Como é a proposta do grupo, as cenas são moduladas conforme o espaço em que são apresentadas e situações do momento do espetáculo, em um misto de teatro e performance.


O experimento Mobiliários é composto por módulos de pesquisas que relacionam memória, cidade, objetos e indivíduo. Cada uma das fases envolve uma linha de reflexão sobre o tema, que resulta na criação de quatro cenas.


A temporada será sempre aos sábados e se estenderá até o dia 26 de outubro. Em setembro, as apresentações serão as 21h e, em outubro, 22h.


Serviço:
Temporada de 14 de setembro a 26 de outubro de 2013
Setembro aos sábados, 21h
Outubro aos sábados, 22h
40 min

Local: Espaço Cultural Walden - Praça da República, 119
Ingresso: R$ 10,00

Ficha Técnica:

Direção geral: Vanessa Frisso
Dramaturgia e Ass. De Direção: João de Freitas
Elenco: Ariane Alves/ Mayra Bertazzoni, Lucas França, Sandra Vilchez e Valmir Martins
Sonoplastia: Cauê Andreassa e Yara Cruz
Iluminação: Thatiana Moraes
Direção de Arte: Angelica Andrade e Cristiane Amorim
Produção: Carlos Augusto Rodrigues e Cristiane Amorim
Fotografia: Ma Martins
Divulgação: Leonardo Fuhrmann