terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

De cara com a 101

Eu não vi a cara da morte. Mas pude senti-la. Ela estava ali, esperando, espreitando, acompanhando a BR101. A qualquer momento pode acontecer, vai acontecer. Então ela fica alerta, sentindo o cheiro e observando as cores.

Ontem estava escuro. Só rastros de luzes brancas e vermelhas e um rastro de verde que vez por outra se ilumina. Os olhos vidrados nas páginas do livro. Os sentidos assombrados e imersos nas letras impressas.
Uma luz branca vindo em nossa direção, um vulto de carro passando a nossa direita, o solavanco, o caminhão na outra pista vindo de frente, o segundo solavanco, o livro que voa, o acostamento, e horas em espera.

Nenhum ferido, só um susto dessa vez, minha senhora, pode ir. E ela, que nada, melhor ficar de olho nessa via. Paramos, esperamos. O motorista tremia que nem vara verde, mas seu reflexo foi perfeito. Os moleques, de bermuda, regata e chinelos, possivelmente achando tudo muito divertido, ultrapassando um caminhão nas curvas de Iconha. Uns sortudos, é o que eles são, de terem ido só parar no meio do mato.
Nada demais, esperar por duas horas pela polícia, mais duas pela perícia, e seguir viagem até São Paulo. Cinco horas além do previsto. Cinco horas a mais na tortura do medo de continuar no mesmo veículo. Foi uma raspada de lado, feriu a dianteira direita. Eu me pergunto: até quando?

A 101 continua ali, com suas curvas, seu asfalto de péssima qualidade, sua pista estreita e certos condutores assassinos irresponsáveis. Não, não é culpa deles, a responsabilidade é só do governo... O que a grande maioria de nós esquece é que todo ato feito em comunidade é um ato político, não diz respeito só à nossa idiossincrasia.

E sabe o que a dona Morte nos diria se pudesse?


- Os seres humanos me assombram.



O Grito, de Edvard Munch, não me lembra a cara da Morte, 
mas a cara da Solidão, aquela cujo egoismo afastou da vida.


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