Desde pequena sou fascinada pela vida nômade. Sonhava em fugir com o circo. Não esqueço, quando criança, íamos a todas as apresentações circenses que apareciam na cidade. Minha mãe adorava. Ela nem imaginava o quanto aquilo mexia comigo e me fazia sonhar. Assistia na tv ao Lili, aquele da musica Hi Lili, Hi Lo, e me via voando nos picadeiros, mas no fundo, sempre soube da minha vocação para palhaço. Os Saltimbancos Trapalhões também tem sua responsabilidade, assim como Arrelia e Carequinha. O bom menino não faz xixi na cama.
Nas férias de Julho, Burarama era destino certo. Toda liberdade que uma criança merece e precisa para crescer saudável, se ralar, se sujar, cair e levantar. Ali a gente aprendia a não ligar pra Bulling, quando este nome nem existia por aqui. No quintal da casa de meus avós, ótimos contadores de história, encenei minhas primeiras peças de teatro, escondida de todo mundo, com meus amigos arbustos, quando eu nem conhecia Shakespeare, além de Romeu e Julieta, que vi ainda pequena na versão de Zeffirelli. Os arbustos eram os atores, eu criava os enredos que viajariam o mundo, na minha cabeça de criança.
Sempre quis conhecer o mundo, por isso amava enciclopédias e curiosidades. Fui uma criança curiosa. Ainda em Burarama, adorava quando chegavam acampamentos de ciganos, que se instalavam entre o curral dos Gava e o cemitério. Tinha medo do cemitério desde que o avó Octávio quis me levar pra ver uma catacumba, mas ao mesmo tempo pra mim sempre foi um lugar cheio de memória. Memória. Coisinha difícil de definir, e tema que anda me perseguindo atualmente. Mas voltando aos ciganos, os adultos falavam pra gente não ir no acampamento, porque os gitanos poderiam nos roubar e levar com eles. Mas eu ia, sempre que ia buscar leite no curral, minha tarefa, nas tardes de Julho. Pela manhã era o tio Chico quem já buscava o leite e o pão. Aquelas barracas de lona, parecendo tão pobres, mas quando entrávamos, tinha uma riqueza, muito ouro e tecidos lindos. Eu achava que eram cenários. Me lembrava um filme que sempre passava na Sessão da Tarde, O Milagre, em que a freirinha Maria, fugia do convento e ia viver com os ciganos, e Nossa Senhora pegava seu lugar no convento, até que a moça se desilude com o amor e volta a tempo de fazer os votos. Eu queria ser como Maria e sair pelo mundo.
Assim eu encontrei no jornalismo uma forma de saber um pouco de cada coisa e fugir da rotina. Assim eu encontrei no teatro, uma forma de viajar pelo mundo sem sair do tablado.
Pelo Espírito Santo, foram muitas andanças, familiares, carnavalescas, e mais tarde, profissionais. Uma vontade de ir para a Bahia e para o Rio de Janeiro. Amigos e histórias, e mais memórias.
Acabei parando em São Paulo, último lugar em meus sonhos. Achava a gente fria e triste, e também achava que corriam tanto que nem tempo pra viver achavam. Eram três meses, que viraram sete anos. Encontrei velhos amigos e fiz novos. Até irmãs de alma reencontrei. Digo reencontrei porque certos amores à primeira vista para mim se explicam somente por outras vidas. Também encontrei o amor maduro. Diferente das paixões da minha adolescência prolongada. E esse amor já veio multiplicado por cinco, e mais.
Sete anos em que descobri o amor nessa cidade cinza. Conheci gente de verdade pelos lugares onde passei. As crianças que me fizeram entender melhor minha arte. Até num circo trabalhei. São Paulo foi boa para mim. Fez-me crescer, na arte e na vida. Essa gente de verdade sonha e luta, e até entendo um pouco a correria, que assusta capixaba praiano acostumado a sorrir muito e se divertir mais ainda, sem que isso atrapalhe o trabalho. Sim, São Paulo é terra que filho chora e mãe não vê. Mas também chorei muito de felicidade. Hoje me concedo nesse fluxo-floema, que dona Hilda me permita a citação, a saudação a essa terra que posso dizer que amo. Queria dizer aqui todos os amores que a cidade me trouxe, mas seriam páginas e mais páginas. Agora começa um novo ciclo. Em outra cidade que tão bem tem me recebido. Mas jamais esquecerei tudo que São Paulo me trouxe. A cidade que nasceu como parada para os Bandeirantes. Me sinto um pouco bandeirante. Ainda sei que tenho muitos lugares para andar, e sei que não vou parar nunca de buscar o novo. Faz parte de mim. Levarei São Paulo comigo. E o senhor Crioulo que me perdoe, mas EXISTE AMOR EM SP SIM!!!!!